Pesquisadores de Oxford projetam 478 mil mortes por covid-19 no Brasil

O título acima pode ser uma novidade para você e para a quase totalidade dos brasileiros, para os quais ainda é difícil entender a pandemia de covid-19 e sua dinâmica de disseminação. Não é para a comunidade científica. A previsão consta de um estudo preliminar, publicado por pesquisadores da Universidade de Oxford, na Inglaterra, no dia 14 de março.

Vários portais científicos o reproduziram. Para preservar a necessária autenticidade, em prejuízo da estética e em nome da absoluta transparência, segue o link onde ele foi publicado pela primeira vez na internet (em inglês): https://osf.io/fd4rh/?view_only=c2f00dfe3677493faa421fc2ea38e295 

Embora tenha caráter preliminar, o trabalho vem de um importante centro de pesquisas, o Centro de Ciência Demográfica Leverhulme, ligado a uma universidade de grande prestígio. Leva a assinatura de oito cientistas: Jennifer Beam Dowd, Valentina Rotondi, Liliana Andriano, David M. Brazel, Per Block, Xuejie Ding, Yan Liu e Melinda C. Mills.

O nome da primeira delas, Jennifer Beam Dowd, mais a palavra “coronavirus”, sem acento conforme exige a grafia inglesa, gerava no Google, às 15h desta quinta-feira (26), 687 mil resultados

O número de resultados cresce a cada dia, sinal de que talvez seja uma tese digna de atenção. Ainda mais quando vem de uma universidade, diga lá Wikipédia… não, não precisa entrar. Tá no Google o total de prêmios Nobel e de primeiros-ministros britânicos que saíram de lá.

O estudo também foi citado em português, de modo discreto e inteligente, em esclarecedora reportagem da Piauí (dá um pulinho lá depois pra conferir). Se você ainda estiver aí, a gente segue porque agora  começa a parte mais interessante.

Congresso em Foco teve acesso ao estudo na mesma data em que foi publicado. Ou seja, dois dias depois de a nossa equipe entrar em regime de auto-quarentena. Optou por não publicar para não causar pânico. A decisão derivou do aprendizado internacional. Em situações de pandemia, o que se espera de um veículo de comunicação com o mínimo de responsabilidade social é colaborar com as autoridades de saúde em nome do bem comum. Não se trata de autocensura. Mas de evitar a disseminação da doença em escala global (que é o que define uma pandemia) e todas as consequências possíveis: internações hospitalares, óbitos, quebra de empresas, desemprego, desespero, fome, saques, revolta. Pandemia é coisa feia. Uma pesquisa banal em fontes públicas é suficiente para fazer você perder uma noite de sono.

Deixamos a íntegra disponível em nosso ambiente e repassamos o documento ao Ministério da Saúde, na esperança de obter explicações tranquilizadoras e de informações que nos ajudassem a conhecer melhor o assunto e cobrir os efeitos da pandemia no país informando ao máximo, com o menor prejuízo possível a quem mais importa nessa hora, a galera da linha de frente da batalha: médicos, outros profissionais de saúde e os gestores da crise nos diferentes órgãos públicos envolvidos, com papel preponderante do Ministério da Saúde.

Constrangido várias vezes de público pelo presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, era naquele momento um pêndulo importante da estabilidade político-institucional. Recebeu apoio dos presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal para adotar as medidas técnicas necessárias, deixando de lado Bolsonaro, que perdeu a interlocução com os governadores, o Congresso, os principais grupos de comunicação e é, de modo crescente, questionado dentro de um território onde até aqui ainda reina com segurança, a Procuradoria-Geral da República, à qual cabe propor investigação contra a autoridade máxima da nação.

A ordem, nos gabinetes mais influentes do Legislativo, era grudar em Mandetta com o objetivo de protegê-lo de Bolsonaro e evitar o pior. Para não ser acusado de omisso, o Congresso em Foco usou o seu boletim de análise de cenários destinado a assinantes pagos, o Farol Político, para publicar informação de forma discreta, poucos dias antes da Piauí.

Trecho da edição 13 do Farol, distribuída em 19 de março.

Aqui congelamos a cena. Se você tiver um pouquinho de paciência, contamos a parte mais árida da história – o estudo técnico – e voltamos para fechar com Mandetta e a decisão de publicar o estudo.

Cabeçalho da publicação dos pesquisadores de Oxford.

No texto de Oxford (íntegra em inglês), que anexamos integralmente ao Farol Político da semana passada e enviamos a outras autoridades federais em busca de respostas, a contabilidade que fizeram Justus, o dono do Madero e o herdeiro do Giraffas  ganhou outra dimensão: 478.629 mortes.

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O estudo sustenta, como tantos outros, que o crescimento e o impacto da pandemia de covid-19 estão relacionados com a composição etária da população. Mais velhos, mais riscos. Essa é uma das razões para a Itália, um país rico, ter tido muito mais óbitos do que a China. E mergulha na análise do que tem acontecido até agora, na expansão da pandemia em cada país, enfatizando “a necessidade de compreender a dinâmica de interação de cada população com a pandemia agora e no futuro”.

Ao fazer as projeções de expansão do vírus, considerando as características de diferentes países, o estudo trouxe preocupações específicas em relação ao Brasil. Após analisar as taxas de disseminação e mortalidade do covid-19 em várias nações, encontrou, no caso brasileiro, dois problemas: um percentual relativamente alto de idosos e, ao contrário de China e Europa, serviços de saúde precários.

Literalmente, afirma o estudo, numa tradução com alguma liberdade para adaptar:

“No Brasil, que tem 2,0% da população com idade de 80 anos ou mais, o cenário estimulado conduz dramaticamente a mais mortes (478.629), comparado a Nigéria (137.489), onde a mesma fração etária é somente 0,2%.”

Trecho do documento original que projeta a quantidade de mortos por covid-19 no Brasil

O estudo também alertou para problemas nos registros de casos de covid-19:

“Neste momento, poucos países estão divulgando rotineiramente dados de covid-19 com informação demográfica chave, como idade, sexo e comorbidades”.

Comorbidade ocorre quando duas ou mais doenças estão correlacionadas entre si. No caso da presente pandemia, é fundamental tratar de forma diferenciada os diabéticos, hipertensos e portadores de doenças respiratórias (COPD em inglês, DPOC em português). Ter esses dados poderia, sugerem os pesquisadores, refinar muito o controle preventivo do covid-19.

Insiste o trabalho, por fim, que “a concentração do risco de mortalidade nas faixas etárias mais velhas permanece como um dos melhores instrumentos para prever o fardo de casos críticos e assim o planejamento e a disponibilidade de leitos, pessoal especializado e outros recursos”.

Um dos gráficos do trabalho inclui o Reino Unido e os Estados Unidos, para os quais os prognósticos são também bastante preocupantes, e aponta na mesma direção: países com população mais idosa deverão ter um total de mortes maior que países com população mais jovem. O número total de mortes esperadas por grupo etário baseou-se na expectativa de que 40% da população de cada país seja infectada. No caso do Brasil, isso corresponderia a… se segura, amiga e amigo, que a coisa é pesada… 83,6 milhões.

 

Outro ponto levantado, igualmente em desfavor do Brasil: costumes familiares de muita proximidade física propiciam o espalhamento da doença. Segundo os autores, esse é o caso da Itália, onde existe contato físico direto e diário entre crianças, pais, avós e vizinhos. E aqui acrescento eu, para sua melhor compreensão: imagine então no caso da população brasileira, que em boa parte vive  em favelas e em aglomerações muito povoadas – sem falar dos presídios e da nossa vocação para abraçar, beijar, pegar na mão.

A íntegra pode ser acessada aqui.

Transcrevemos tudo o que recebemos do Ministério da Saúde sobre o estudo, no último dia 17:

“Com base na evolução dos casos de coronavírus no Brasil, até o momento, estima-se que, sem a adoção das medidas propostas pela pasta para prevenção, o número de casos da doença dobre a cada três dias. O Ministério da Saúde trabalha com essa projeção. A evolução dos casos e mortes depende de uma série de fatores.

As capitais Rio de Janeiro e São Paulo já registram caso de transmissão comunitária, quando não é identificada a origem da contaminação. Com isso, o país entra em uma nova fase da estratégia brasileira, a de criar condições para diminuir os danos que o vírus pode causar à população. Em videoconferência com profissionais das Secretarias Estaduais de Saúde de todo o país, o Ministério da Saúde anunciou, na última sexta-feira (13), recomendações para evitar a disseminação da doença. As orientações deverão ser adaptadas pelos gestores estaduais e municipais, de acordo com a realidade local.

Atitudes adotadas no dia a dia, como lavar as mãos e evitar aglomerações, reduzem o contágio pelo coronavírus. O Ministério da Saúde recomenda a redução do contato social o que, consequentemente, reduzirá as chances de transmissão do vírus, que é alta se comparado a outros coronavírus do passado.

Não há uma regra única para todo o país. Cada região deve avaliar com as autoridades locais o que se deve fazer caso a caso. Neste momento, nós não temos o Brasil inteiro na mesma situação, por isso é importante analisar o cenário de casos e possíveis riscos.

As medidas gerais válidas, a partir desta sexta-feira (13), a todos os estados brasileiros, incluem o reforço da prevenção individual com a etiqueta respiratória (como cobrir a boca com o antebraço ou lenço descartável ao tossir e espirrar), o isolamento domiciliar ou hospitalar de pessoas com sintomas da doença por até 14 dias, além da recomendação para que pacientes com casos leves procurem os postos de saúde. As unidades de saúde, públicas e privadas, deverão iniciar, a partir da próxima semana, a triagem rápida para reduzir o tempo de espera no atendimento e consequentemente a possibilidade de transmissão dentro das unidades de saúde.”

É muito pouco. Não perca tempo com debates científicos sobre “isolamento horizontal” (isto é, fica todo mundo em casa) ou “isolamento vertical” (confinamento apenas de populações vulneráveis). Só existe uma receita tecnicamente segura contra o covid-19: ficar em casa. Claro que trabalhadores de atividades essenciais precisam manter em funcionamento os serviços de saúde, a segurança pública, o abastecimento de atividades essenciais, mas isso precisa respeitar protocolos que, de modo geral, o Ministério da Saúde tem sido incapaz de divulgar e coordenar.

Eixão Sul, uma das principais vias de Brasília, DF.

Marcello Casal Jr./Agência Brasil

A desinformação prevalece e as pessoas recebem orientações desencontradas: o governador fala uma coisa, o prefeito outra e o presidente é objeto de notícia-crimepelo “histórico das reiteradas e irresponsáveis declarações” sobre o tema.

A pessoa, principalmente a mais simples, fica sem saber o que fazer. E Bolsonaro tenta convencê-la de que a culpa é dos governadores, que prejudicam a economia e fabricam o caos. Mestre das narrativas, ainda convence muita gente.

A ciência não está do lado dele, contudo. Os governadores (nem todos, porque alguns vão muito mal) estão, de modo geral, aplicando o que se sabe para reduzir os danos das falas presidenciais, da descoordenação do Ministério da Saúde e de problemas que muitos estados e cidades enfrentam na ponta: faltam testes, leitos, pessoal e, sobretudo, informação.

Alerta – no caso de diabéticos, hipertensos, portadores de doenças respiratórias e idosos de 80 anos ou mais, é insuficiente fazer quarentena. Essa permite uma eventual – mas rara – saída controlada, mantendo distância mínima de um metro em relação a outra pessoa, evitando qualquer contato da mão com objetos compartilhados e adotando outras providências.

Para os grupos mais vulneráveis, o recomendável é isolamento total: desinfectar toda casa com álcool 70 (chão, paredes, móveis), não sair para nada e adotar outras medidas que, num modelo bem mais rígido que o prescrito pelo Ministério da Saúde, o Congresso em Foco descreveu aqui.

Muito há a descobrir sobre a pandemia, muito mais poderíamos falar sobre essa parte mais técnica, mas precisamos voltar a Mandetta.

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta

Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

De modo breve: Mandetta capitulou. Apoiado pelo Supremo e por praticamente todo o Congresso (esquerda, direita e centro), encampou o discurso de Bolsonaro, que resolveu subir no tom contra os governadores e a mídia e mandar as crianças brasileiras para escolas infectadas.

Infelizmente, ainda há muita coisa a contar. Deixamos para o próximo capítulo as razões que nos levaram à decisão de publicar no título acima uma informação pública que o Congresso em Foco jamais gostaria de ver nesta página.

Enquanto isso, em Brasília por exemplo, o transporte público continua a funcionar, os casos se avolumam e se ouve o barulho do relógio…

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Colaboraram para esta reportagem João Frey e Flávia Said