Carta que teria sido escrita por Eliza Samudio, por meio de psicografia, reacende discussão sobre o assunto
A morte de Eliza Samúdio ainda é cercada de mistérios, mesmo tendo ocorrido há mais de 12 anos. Um dos principais questionamentos é justamente o que foi feito do corpo da vítima, morta em crime que teve participação do goleiro Bruno Fernandes, com quem tinha um filho. Os restos mortais de Eliza nunca foram encontrados.
O mistério ganhou uma nova camada na última segunda-feira, 1º, quando a vidente Chaline Grazik afirmou que recebeu uma mensagem psicografada da vítima, dando detalhes do crime. A publicação reacendeu o debate acerca da veracidade dessas mensagens, escritas por espíritos através de pessoas com mediunidade.
O assunto ganhou força no Brasil com o trabalho de Chico Xavier, morto em 2002, que escreveu mais de 450 livros e confortou, por mais de 60 anos, pessoas desconsoladas em busca de notícias dos seus parentes mortos. O trabalho do médium chegou até a ser tema de pesquisas científicas, como a realizada pelo Núcleo de Pesquisas em Espiritualidade e Saúde da Universidade Federal de Juiz de Fora, em parceria com o Departamento de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP).
“Allan Kardec dizia que a mediunidade é dom divino e que, portanto, deveria ser utilizado com respeito e seriedade para a prática da caridade. Contudo, sabe-se que muitas pessoas se dizem médiuns para fraudar comunicações mediúnicas”, explica Marco Aurélio Alvarenga Monteiro, presidente regional da União das Sociedades Espíritas, em referência ao decodificador da Doutrina Espírita, em 1857.
O que é a psicografia
Existem várias modalidades de mediunidade e uma delas é a psicografia. Nesse caso, o médium psicógrafo recebe uma mensagem de um espírito desencarnado por meio da escrita. Há três formas de psicografar uma mensagem: mecânica, semi-mecânica e intuitiva.
A mecânica é aquela em que o espírito assume a mão do médium e o deixa sem controle do que está sendo escrito ou desenhado. Ele não tem noção da mensagem passada até que a leia.
“No caso da semi-mecânica, o espírito ‘toma’ a mão do médium mas, ao mesmo tempo, passa as ideias e pensamentos para a mente do médium que, portanto, tem noção do que escreve, desenha”, explica Marco Aurélio Monteiro.
Já a psicografia intuitiva é aquela em que o médium tem o controle da mão, pois a mensagem recebida é passada apenas por meio de intuições ao médium. Mas, independentemente da modalidade, normalmente as cartas têm a intenção de trazer conforto para quem recebe.
“As cartas psicografadas normalmente são mensagens que espíritos desencarnados trazem para familiares, de modo a consolá-los quanto às dores que sentem por sua morte física”, acrescenta Monteiro.
Como saber se a psicografia é verdadeira
Justamente por tocar em pontos sensíveis para quem ainda está vivo, a psicografia pode ser uma oportunidade para fraudadores e charlatões. O presidente regional da União das Sociedades Espíritas, Marco Aurélio Monteiro, destaca que algumas características entregam se a mensagem psicografada é verdadeira ou não.
“Deve-se avaliar a idoneidade do médium: Qual o seu compromisso com a mediunidade e com o ser humano? Que tipo de vantagens ele tira do exercício mediúnico? A mediunidade deve ser uma prática gratuita e desinteressada”, orienta.
O trabalho de Chico Xavier, por exemplo, ainda repercute até mesmo em ações judiciais. Embora tenha morrido em 2002, sete anos depois uma carta psicografada pelo médium absolveu uma mulher em Viamão, no Rio Grande do Sul. A defesa apresentou uma carta na qual a vítima, sem declarar explicitamente que a ré era inocente, lamentava que ela estivesse sendo processada por sua morte.
O caso foi analisado por três desembargadores. Um deles, o desembargador José Antonio Hirt Preiss, alegou que deveria ser seguida a decisão do júri, que votou pela absolvição, mas considerou: “A religião fica fora desta sala de julgamento que é realizado segundo as leis brasileiras”.
Cartas são baseadas na fé
A linguista Cintia Alves da Silva chama a atenção para o julgamento feito sobre o médium que apresenta a mensagem psicografada e, efetivamente, o uso dessas cartas como meio de prova em ações judiciais. Responsável por um trabalho que analisou o texto de cartas escritas por Chico Xavier para tentar entender se as “autorias espirituais” traziam alguma materialidade discursiva e textual, ela defende que as cartas são uma experiência subjetiva.
“Não cabe a nós julgar a idoneidade dos médiuns, mas, sim, a das pessoas que apresentam esse tipo de comunicação como meios de prova em processos. Por uma questão de respeito, fé e justiça são instâncias que não deveriam se misturar”, argumenta a pesquisadora.
Apesar do posicionamento no que diz respeito a processos na Justiça, o estudo conduzido por Silva identificou características textuais distintas entre os autores. A pesquisadora analisou nove cartas de três autores psicografados por Chico Xavier que compartilhavam estilo de escrita semelhante.
Foram encontrados elementos que diferenciam um autor do outro, como nomes de familiares e conhecidos, locais onde o referido espírito teria vivido e até dados específicos. A conclusão foi que existiam diferenças discretas, mas significativas, que distinguiam os “autores espirituais”.
“Nas cartas, o efeito de sentido gerado é o de que haveria duas identidades, que parecem se revezar na hora da escrita. Às vezes, é como se o próprio médium estivesse ensinando os princípios espíritas. Em outras, parece ser o ‘autor espiritual’ se comunicando”, explica Silva.
*Com edição de Estela Marques. Fonte tera
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