Jornalista de MS que fez até lipo relata marcas emocionais causadas por pressões estéticas na TV Globo
A condenação da TV Globo na Justiça, proferida nesta segunda-feira (1º), a qual deverá indenizar a ex-repórter Veruska Donato em valores que superam os R$ 8 milhões, abre discussão para os efeitos nocivos que as corporações podem causar na saúde mental de trabalhadores. Para tentar atender cobranças da chefia, ela chegou a recorrer até a cirurgia de lipoaspiração. Tudo para atender ao ‘padrão de magreza’ imposto pela emissora.
Veruska, que é natural de Campo Grande, trabalhou na emissora por 21 anos e deixou a empresa em 2021. Ela processou a TV pedindo ressarcimento por direitos trabalhistas não pagos e indenização por denúncias de misoginia (desprezo contra mulheres), etarismo (preconceito contra pessoas com base na sua idade) e imposição de ditadura da magreza. Condenada, a empresa poderá ter que pagar mais de R$ 8 milhões à comunicadora, conforme advogados da jornalista.
“As pressões estéticas na Globo sempre existiram. Primeiro, era a exigência do cabelo liso. A empresa dizia que os cachos desviavam a atenção do telespectador da notícia. E assim foi com tudo: brincos, esmaltes nas unhas que só podiam ser claros ou transparentes, proibição de pulseiras, anéis e colares, e por fim a magreza”, conta a jornalista.
Cirurgia para atender exigências
“Uma vez, quando voltei da licença maternidade, um dos chefes perguntou se eu não estava grávida de novo por conta da barriga grande e recomendou que eu emagrecesse. Numa outra ocasião, uma chefe disse que eu tinha ‘embarangado’ durante a gravidez”, relata.
“Na tentativa de me enquadrar no padrão, fiz uma lipoaspiração, entrei na academia e mudei a alimentação, ainda assim ouvi da estilista da Globo que eu deveria parar com tudo porque meus braços e pernas estavam ficando grossos demais, e nenhum vestido cabia em mim”, detalha Veruska.
Ao Jornal Midiamax, a comunicadora compartilha, com pesar, alguns arrependimentos que carrega hoje. “Tenho dó da pessoa que fui e dos preconceitos que carreguei. Gostaria de ter feito mais por mim e por todas as mulheres, mas só com o avançar da idade é que as críticas pela aparência foram determinantes porque não há o que fazer. Você tem 50 anos, e pronto, pode se encher de botox e preenchimento e, mesmo assim, vai parecer uma mulher madura com medo de envelhecer, vai soar artificial”, analisa.
Os efeitos das pressões e cobranças, claro, refletiram no emocional da jornalista. Ela conta que se tornou uma pessoa triste, e que teve vários episódios de pânico e pelo menos dois episódios de burnout. Síndrome de Burnout, também conhecida como Síndrome do Esgotamento Profissional, é um distúrbio emocional que apresenta sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastante.
Busca por soluções
“Tentei conversar com a minha chefia mais de uma vez, mas, ou eles diziam não ter tempo, ou prometiam mudanças que nunca chegaram”, lembra.
A profissional chegou no topo. Foi repórter do JN (Jornal Nacional), apresentadora da Globo News e apresentadora de um quadro de emprego no JH (Jornal Hoje). Quando a empresa decidiu acabar com o quadro sem explicação alguma, foi rebaixada: de repórter de rede nacional, produzindo matérias para jornais exibidos para o Brasil todo, passou a repórter de jornais locais, o que para a política da empresa é considerado um rebaixamento na carreira.
“Nunca me disseram o motivo. Quando eu perguntava, diziam que eu estava imaginando coisas. Cheguei mesmo a pensar que eu estava exagerando. A verdade é que eu não cabia mais no grupo restrito de amigos da chefia”, avalia a jornalista.
Veruska relata que não quer ser porta-voz “de nada e nem de ninguém”. O motivo é porque, na avaliação dela, ela falhou. “Há muito eu já deveria ter denunciado a política da empresa, mas a verdade é que eu gostava de trabalhar no maior grupo de mídia da América Latina e uma das maiores do mundo, mas isso não deve bastar para ninguém”, pontua.
Valor profissional
Diante de sua própria trajetória, Veruska avalia a importância dada aos profissionais por grandes corporações. “Enquanto você serve aos interesses da empresa, você fica sob os holofotes, mas uma mudança na política de atração dos telespectadores, uma queda nos índices de audiência, e você é responsabilizado. Você só é bom quando a empresa diz que você é bom, e isso não quero nunca mais para mim”, afirma.
“Ninguém vai me dizer quem sou e onde posso chegar. Esse é um conselho que dou para minha filha. Quem te define é você mesma, nunca se enquadre em rótulos ou padrões”, declara a jornalista.
Para ela, falta mudança na política de tratamento aos colaboradores. “A empresa tem ótimos profissionais e algumas péssimas pessoas. O que precisa mudar é a política de tratamento aos colaboradores. Enquanto eles apoiarem chefes truculentos e mesquinhos, nada muda. É preciso criar políticas reais para as mulheres”, considera a profissional.
“Exibi-las (as mulheres) em horário nobre dizendo que são amigas e se apoiam é uma vergonha quando a empresa desrespeita os nossos direitos no quintal de casa. É jogar pra galera e esconder a sujeira debaixo do tapete”, finaliza. fonte midiamax
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