A caminho do último ano de mandato, deputadas negras falam dos desafios da legislatura
Em um mandato regado por insegurança política, econômica e social, além de uma crise sanitária mundial causada pela pandemia da Covid-19, deputadas negras dos âmbitos federal e estadual contam que legislar no governo Bolsonaro é um de seus principais desafios. Com uma maioria de estreantes na política institucional, as mulheres negras enfrentam o desafio de não serem enxergadas nas estruturas de poder, além de confrontarem, diariamente, o racismo, a violência política e de gênero.
A Alma Preta Jornalismo conversou com cinco deputadas, duas federais e três estaduais, para saber como foram os primeiros anos de legislatura, além do o que se espera para 2022 e para um possível próximo mandato.
Andréia de Jesus, deputada estadual do PSOL pelo estado de Minas Gerais, revela que assumir um lugar na institucionalidade – que não foi criada para mulheres pretas – a levou a enfrentar o não-reconhecimento de sua pessoa como parlamentar e do seu mandato. Ocupar essa função em pleno exercício do governo Bolsonaro, segundo ela, tem um peso a mais. De acordo com a parlamentar, a estrutura criada por e para homens brancos faz com que ela seja “tratada como um corpo estranho” e sofra diversas violências.
“É a primeira vez na história de Minas Gerais que ‘corpas’ negras ocupam esse espaço e isso acontece justamente durante um governo orientado pela necropolítica, isso quer dizer que meu corpo tem sido alvo de violências absurdas em plenário”, expõe a parlamentar.
Deputada estadual Mônica Francisco foi assessora da vereadora Marielle Franco | Foto: Reprodução Redes Sociais
Sendo essas mulheres, muitas vezes, as primeiras a ocupar essa posição em seus estados, a dificuldade para o exercício de suas funções e a validação de seus trabalhos na esfera pública é ainda maior. Para a deputada estadual Mônica Francisco (PSOL-RJ), a parlamentar negra chega no espaço político sem nenhum tipo de preparo prévio, tendo sua capacidade questionada constantemente no processo decisório.
“As principais dificuldades foram entender os mecanismos internos, as estratégias de ação, as localizações onde iria atuar, se consolidar como alguém de autoridade… A gente sempre é vista como alguém desqualificada para as ações, para ocupar os espaços da política, por exemplo, como uma Comissão de Constituição e Justiça, da qual eu sou membra”, conta Mônica.
Após as eleições de 2018, as deputadas pretas que ocupam uma cadeira nas Câmaras Legislativas passaram de 7 para 15, as pardas de 29 para 36, já as brancas de 83 para 112. Em âmbito federal, dos 513 postos na Câmara dos Deputados, 2,5% são de mulheres pretas ou pardas, totalizando 13 deputadas. Os números mostram as desigualdades de representação, já que mulheres negras condizem com cerca de 28% da população brasileira, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Violência Política
A violência política começa com piadinhas machistas ou racistas nos corredores, com os olhares enviesados, passando pelos ataques proferidos no Plenário e nas redes sociais por outros parlamentares, e chega, muitas vezes, a extremos como ameaças de morte. O relato de violências políticas por parlamentares negras é comum em todas as esferas.
A deputada estadual Dani Monteiro (PSOL-RJ) que, aos 27 anos, se tornou mais nova a ocupar o posto na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, aponta que, em 2019, entraram, na Alerj, três mulheres negras, de idades distintas, mas com origens e trajetórias muito semelhantes. As três vieram de territórios de favelas e tiveram que vencer muitas barreiras antes e depois da vida pública.
“Se a vida é difícil fora da institucionalidade, nós experimentamos na carne os efeitos do racismo estrutural dentro do parlamento, aquele espaço tradicionalmente masculino e branco. Cada uma de nós passou por situações vexatórias e intimidadoras”, afirma Monteiro.
Deputada Dani Monteiro, mais jovem eleita para Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro | Foto: Reprodução Redes Sociais
Andréia de Jesus conta que foi ameaçada de morte e necessitou de escolta armada após um posicionamento como Presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Já Mônica Francisco, além de ser impedida de entrar nas dependências da Assembleia do Rio, foi alvo de falas difamatórias. “Disseram que só consegui ser eleita porque vinha de uma favela que era liderada por uma grande facção criminosa aqui do estado do Rio de Janeiro”, revela.
Já Talíria Petrone (RJ), líder do PSOL na Câmara dos Deputados, precisou sair do seu estado, de onde foi eleita democraticamente, por sofrer ameaças de morte. Para ela, a dificuldade maior é proteger a sua vida, pois além de lidar com uma sociedade racista e machista, precisa exercer a política em um contexto desfavorável.
“Não podemos perder mais nenhuma de nós e não queremos nos tornar mártir. A nossa amiga e companheira Marielle Franco foi executada e estamos há mais de três anos de sua morte sem sabermos quem foram exatamente os mandantes daquele crime. O maior desafio é nos mantermos de pé, reivindicando, inclusive, o legado político da Mari”, afirma.
Projetos e estratégias para 2022
As deputadas são unânimes em dizer que está cedo para pensar e revelar algumas estratégias para um possível próximo mandato. Além de proteger a integridade democrática do exercício do poder, a cautela em se movimentar politicamente no último ano do governo Bolsonaro é um dos desafios para enfrentar o racismo estrutural e as violências políticas.
No entanto, Andréia de Jesus assume que a principal oportunidade talvez seja “o outro lado da mesma moeda”. Ela diz que sendo ela um corpo preto e periférico, tem a tarefa e a capacidade de vocalizar pautas que são muito negligenciadas, como a dos quilombolas, dos terreiros, do sistema carcerário, das bordas das cidades.
Já Vivi Reis, deputada federal pelo PSOL do Pará, declara que os projetos de deputadas negras enfrentam maior resistência para aprovação porque são projetos que fogem do padrão das pautas hegemônicas. Porém, as oportunidades encontradas pela congressista foram coletivas, juntamente às demais parlamentares, o que pode ser uma estratégia para a garantia de mandatos posteriores.
“Nossa luta permanente é por romper com a invisibilidade. Entre as possibilidades que tivermos, uma delas foi a de atuar junto à bancada feminina, que vem se posicionando de modo a garantir que os projetos de mulheres sejam prioritários na pauta semanal da Câmara, mas principalmente a oportunidade de atuar na luta antirracista, com o trabalho realizado pela Frente Parlamentar Feminista e Antirracista que tem ações pautadas pelo que vem sendo debatido pelos movimentos de mulheres de todo Brasil”, declara Vivi Reis.
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