Vizinhança faz do truco passatempo em bairro que já teve até “pedágio” de ladrão

Entre os assuntos que surgem na partida de truco, a que mais entusiasma Sinzelândio Oliveira, de 62 anos, é a mudança no bairro. “Tenho muito orgulho em dizer que vivo aqui no Zé Pereira”, afirma o presidente da comunidade, que há 12 anos criou na porta de casa a tradição de reunir os amigos aos fins de tarde para uma partidinha de truco.

A rotina que nunca mudou faz a vizinhança com idades entre 40 e 77 anos começar a jogar por volta das 16h e só levantar do banquinho de concreto às 19h. Sem apostas, o passatempo é também espaço para lembrar das histórias do lugar que começou como “Zé Poeira”.

Sinzerlândio, de 62 anos, atual presidente de bairro. (Foto: Silas Souza)
Sinzerlândio, de 62 anos, atual presidente de bairro. (Foto: Silas Souza)

“No dia a dia esse era o nome, quando chovia virava o Zé Lameira”, brinca Sinzelândio, acompanhado dos amigos que hoje recordam com bom humor do tempo que sacolinha de mercado reinava no pé de morador.

Mas os tempos de 1995 também não foram fáceis para essa geração que viu de perto a violência. “Tinha pedágio para entrar no Zé Pereira, na verdade a gente brinca que era pedágio, mas era um assalto”, lembra.

À época, quem viesse de outro lugar e tentasse passar a ponte que dá acesso a uma das ruas principais do bairro, era preciso pagar com o que tivesse na mão, garantem os mais velhos. “A turma cobrava de tudo, tem história de gente que até pagou com frango que estava levando pra família”, conta.

Mas fora do alcance dos olhares de quem vive no Centro e bairro nobre da Capital, nas mesas de jogo estão pessoas que lutaram juntas pelas necessidades de um bairro jovem, mas que já tem muita história para ser contada. “Aqui a gente comemora o campinho de futebol, que foi uma conquista dos moradores na década de 90 e hoje é alegria das crianças, a associação de moradores com aula de artesanato e até a escola, que demorou muito, mas chegou”, comemora.

Sagarana, rua principal do Zé Pereira em 1995. (Foto: Arquivo Sanesul)
Sagarana, rua principal do Zé Pereira em 1995. (Foto: Arquivo Sanesul)
Hoje a rua ganhou novo tom, longe da poeira. (Foto: Silas Souza)
Hoje a rua ganhou novo tom, longe da poeira. (Foto: Silas Souza)

Nas duas mesas de cartas postas, a conversa é sempre parecida, acompanhada de muitas risadas, principalmente, do aposentado José Borges da Silva, de 66 anos, o homem que faz piada de tudo e aguenta firma a algazarra dos amigos.

“Ele é o bambolê, pergunta porque”, diz o amigo na outra ponta da mesa. “É por conta da minha orelha bonita e pequeninha”, ri José mostrando o tamanho. “Mas aqui todo mundo tem apelido, ali está o Bode da Maçonaria, o Feijoadinha, o Juca Bala… Aqui ninguém sai ileso”, completa José em tom de brincadeira.

Com sotaque italiano, seu Flávio Cassitori, de 66 anos, explica o segredo para a velha e boa companhia conservada há anos. “Aqui é igual almoxarifado, minha filha. Todo mundo se conhece, se diverte e não há brigas”, garante.

Assim como Flávio e José, Bartholomeu Dias, conhecido como Feijoada, descobriu ali o real sentido da amizade. “Porque Feijoada? Porque olha toda minha qualidade”, faz piada antes de falar bem dos amigos. E acrescenta. “A verdade é que nosso bairro já teve muita fama boa e ruim, mas a gente é a parte boa”.

Flávio, de 66 anos, um dos primeiros moradores do bairro. (Foto: Silas Souza)
Flávio, de 66 anos, um dos primeiros moradores do bairro. (Foto: Silas Souza)
José, o amigo que adora fazer a turma sorrir. (Foto: Silas Souza)
José, o amigo que adora fazer a turma sorrir. (Foto: Silas Souza)

Seu Amário da Silva, de 77 anos, é um dos mais velhos da turma, quietinho sorri e faz sinal com a cabeça que concorda com tudo que a turma fala. José lembra que além de bom humor, a regra do jogo é não faltar as partidas. “Se alguém teve um problema, a gente entende, mas se alguém deixa vir a gente sente muita falta e fica preocupado”.

A parceria é tanta que o jogos que começaram, lá em 2006, no terreno do atual presidente de bairro, ganhou cantinho especial em frente ao campinho de futebol, com direito a cobertura de lona, bancos e mesas de concreto e energia elétrica.

Muitos ali chegaram em 1995 quando foram entregues 2426 lotes, pelo preço de 10% do salário mínimo da época, cada. “Foram 100 parcelas para quem conseguiu cada lote”, lembra Sinzerlândio.

Só depois de pagas as prestações é que o desenvolvimento local tomou novos rumos. “Aí foram surgindo os comércios, como do Chico Preto, um comerciante amigo do bairro, que já faleceu, mas é bem lembrado na turma. Tem também o senhor Bacana que está vivo até hoje e firme e forte ali na rua de trás”, aponta.

Se falar bem do bairro é consolo para encarar a realidade, de que ainda é preciso melhorias, o presidente não sabe. Mas o fato é que a rotina demonstra que ali a união segura as pontas em dias difíceis. “Tem gente que fala Zé Pereira isso, Zé Pereira aquilo, mas a gente gosta muito do nosso bairro. Ainda tem muito que crescer, isso é verdade, mas olha quanta coisa a gente conquistou junto. Aqui cada morador que chega entende que precisa tentar fazer o melhor pra comunidade”, finaliza.

Campo de futebol do Zé Pereira em 1995. (Foto: Arquivo/Sanesul)

Campo de futebol do Zé Pereira em 1995. (Foto: Arquivo/Sanesul)
Hoje continua sendo a diversão da meninada. (Foto: Silas Souza)
Hoje continua sendo a diversão da meninada. (Foto: Silas Souza)
O encontro virou tradição todas as tardes no bairro Zé Pereira.(Foto: Silas Souza)O encontro virou tradição todas as tardes no bairro Zé Pereira.(Foto: Silas Souza)