A meta, estabelecida inicialmente para o ano de 2024, é atingirmos a chamada "inclusão plena" Foto: Getty Images

Governo vai lançar plano para expandir educação inclusiva com investimento de R$ 3 bi

O Ministério da Educação (MEC) lançará um plano de afirmação e fortalecimento da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI) em breve. Ao Terra, fontes que participam da articulação da iniciativa adiantaram que o governo pretende investir R$ 3 bilhões para universalizar as matrículas de todos os estudantes em classes comuns, garantir recursos de acessibilidade e formação de professores.

O Brasil se comprometeu em garantir o direito à educação inclusiva há 15 anos, em 2008, dando status de emenda constitucional à Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência proposta pela Organização das Nações Unidas (ONU). A partir disso surgiu a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI), que nunca foi substituída. Buscando, enfim, efetivar a inclusão na educação básica, confira as novas metas estabelecidas:

Plano de fortalecimento:

• Ampliar matrículas das pessoas com deficiência na classe comum;
• Universalizar as matrículas de estudantes na classe comum;
• 100% das escolas com prédio próprio com recursos de acessibilidade;
• 100% das escolas com materiais e equipamentos para Salas de Recursos Multifuncionais;
• 100% de professores da classe comum com formação em educação especial na perspectiva da educação inclusiva;
• 100% dos professores de Atendimento Educacional Especializado (AEE) com duas formações em educação especial na perspectiva da educação inclusiva;
• Pelo menos um gestor de cada escola com formação em educação especial na perspectiva da educação inclusiva; e
• Impacto orçamentário de R$ 3 bilhões em 4 anos.

O plano foi apresentado a membros titulares e suplentes da Comissão Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva em reunião do MEC, realizada por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi), no final de junho.

Em entrevista exclusiva ao Terra, o diretor de Políticas de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva da Secadi, Décio Guimarães, afirmou que o plano deve ser lançado nas próximas semanas, mas não confirmou os valores totais dos investimentos, tampouco especifica de onde o recurso será tirado. No momento, a proposta estaria em fase de aprovação no gabinete do ministro Camilo Santana, em articulação com o gabinete do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)

Compromissos reforçados
Décio Guimarães responsabiliza governos anteriores pelos retrocessos da educação inclusiva no Brasil, frisa a relevância da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, que completou 15 anos este ano, e elenca questões que ainda seguem fragilizadas.

O “grande desafio” da atual gestão, segundo ele, é retomar as premissas originais dessa política, que, apesar de não ter sido desfeita, foi ameaçada e deixada de lado nos últimos anos. Guimarães cita, por exemplo, o decreto 10.502, de 2020, assinado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que instituía a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida. Uma inciativa considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que foi revogado no primeiro dia do mandato de Lula.

Outras metas citadas pelo representante:

• Prioridade de envio de recursos às escolas de comunidades indígenas, quilombolas e de áreas rurais;
• Formação continuada [presencial e à distância] para 1,3 milhão de professores regentes de classes comuns, quase metade do quadro geral, composto por 2.355.597 profissionais, segundo dados do Inep. Iniciativa contará com a parceria inédita com a Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes);
•Assegurar recursos de tecnologia assistiva para o uso pessoal de alunos público-alvo da Educação Especial [estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e superdotação ou altas habilidades] para além da escola;
• Regulamentar o trabalho do profissional de apoio escolar, previsto na Lei Brasileira de Inclusão, de 2015, no que diz respeito à sua formação e especificidades. “Hoje, como está, cada município e escola interpreta de uma maneira. Nós precisamos regulamentar essa atividade, valorizar e, via rede federal, oferecer formação inicial e continuada para esses profissionais”.

O que está sendo feito
Para este ano, Guimarães afirma que em torno de R$ 150 milhões estão sendo investidos no Programa Sala de Recursos Multifuncionais, ligado ao Programa Dinheiro Direto nas Escolas (PDDE). Segundo ele, originalmente, eram previstos R$ 100 milhões e R$ 60 milhões já foram executados.

O representante do MEC ainda cita que serão iniciadas uma série de pesquisas qualitativas no formato de grupo focal para verificar o que já foi adquirido com a verba do programa e como as novas aquisições têm repercutido na qualidade e no direito à aprendizagem dos estudantes nas respectivas escolas. “A questão do monitoramento é prioridade nossa. Estamos em fase de estudo”, ressalta.

Diferentemente do que ocorria no início do plano, quando as escolas recebiam kits prontos para estruturar as Salas de Recursos Multifuncionais, agora, as unidades recebem a verba e decidem como vão aplicá-la, de acordo com a urgência e o que faz mais sentido à realidade daquela escola. No geral, de acordo com Guimarães, o teto de investimento em cada Sala de Recursos Multifuncionais é de R$ 45 mil.

Já o Programa Escola Acessível, que destina recursos para a promoção de acessibilidade nas instituições de ensino –como a partir de instalação de pisos táteis, sanitários adaptados e afins–, está paralisado desde 2019, como destaca o diretor do MEC.

Segundo ele, atualmente, o ministério está trabalhando para atualizá-lo. A expectativa é que seja retomado ainda neste mês de setembro, com busca de recursos extras. “Nem o sistema para distribuir, operacionalizar esse recurso, a gente encontrou. Estava sucateado. Precisamos atualizar”, disse.

Atuação interministerial
A movimentação em prol da educação inclusiva acontece de forma intersetorial entre o MEC e outros ministérios. É o que reforçou a Secretária Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), Anna Paula Feminella, em entrevista ao Terra.

“A falta de uma educação inclusiva pode impactar tremendamente e negativamente em todos os aspectos da vida do indivíduo. Saúde, autoestima, desenvolvimento profissional… Até os salários das pessoas com deficiência são, em média, muito mais baixos do que as pessoas sem deficiência”, explica Anna Paula, que se diz favorável ao debate interseccional da questão.

A demanda que Anna Paula considera como mais urgente a ser solucionada refere-se, justamente, à retomada do orçamento destinado à educação inclusiva. Em consonância com o diretor do MEC, Anna Paula vê como imprescindível que as escolas comuns estejam preparadas para serem sempre a escolha das famílias com crianças com deficiência.

“A gente entende que os pais e mãe, quando eles se queixam e esperam pela educação especial, muitas vezes, é porque eles não querem deixar seus filhos numa condição onde não tem um acompanhamento adequado para que desenvolva, reconheça as especificidades dos seus filhos e não os exponha a nenhuma violência”, analisa.

Parte dessa realidade pode ser melhor retratada no levantamento inédito realizado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Continua 2022 (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), lançada neste ano. Os dados mostraram que a população com deficiência apresenta indicadores substancialmente inferiores quando comparados com a população sem deficiência.

Uma das estratégias para melhorar esses índices, segundo Anna Paula Feminella, é a plena retomada do programa de Benefício de Prestação Continuada (BPC) Escola – que garante um salário mínimo à pessoa com deficiência. De acordo com a secretária, até o ano passado, não estava sendo cobrado das famílias a comprovação de que a criança estava matriculada e frequentando a escola.

Mestranda em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), cofundadora do Instituto Cáue e ativista pela educação inclusiva, Mariana Rosa também vê urgência na retomada do fomento à Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Para ela, ainda há muito o que se debater, e essa discussão deve ser feita de forma ampla.

“Precisamos discutir a infraestrutura das escolas, o modelo de avaliação, o projeto político-pedagógico das escolas, a base nacional curricular comum, o novo ensino médio. Tem muitos aspectos a serem debatidos e o governo precisa endereçar isso o mais rápido possível.”

Mariana cita, por exemplo, a importância da diversificação da abordagem, dos recursos e das ferramentas utilizadas nas salas de aula, bem como do trabalho colaborativo entre o professor do Atendimento Educacional Especializado (AEE) e o professor regente. Romper com a “maneira hegemônica” de dar aula, beneficiaria a todos os estudantes, não apenas os com deficiência, destaca ela.

A partir dessa perspectiva, na opinião da especialista, se deixa de ter o aluno que desvia, que não aprende, ou que não consegue. “A educação inclusiva, ela nos leva a pensar que a gente tem um problema no ensino e não na aprendizagem, não no estudante. Não há um fracasso escolar, um déficit de aprendizagem. E isso nos leva a pensar a escola como um todo. Por isso que a educação inclusiva é tão revolucionária.”

Reconhecer as conquistas
Em 2008, ano da publicação do plano nacional, haviam 695.699 estudantes com deficiência, transtornos globais ou superdotação ou altas habilidades matriculados na modalidade Educação Especial da educação básica. Agora, 15 anos depois, esse número mais que dobrou, chegando a 1.527.794 em 2022, segundo dados do Censo Escolar do Inep.

Esse fluxo de mudança de perfil de matrícula, para Rodrigo Mendes, idealizador do instituto de educação que leva seu nome, é importante no rumo a um sistema integralmente inclusivo.

“Há 30 anos, a grande maioria desses estudantes estavam segregados, estavam privados do convívio, ou estavam em classes ou em escolas especiais, e a quantidade de matrículas era bem pequena em termos de representatividade, superiormente total. Isso mudou muito. Passado esse horizonte de três décadas, hoje, a gente tem a grande maioria frequentando escolas inclusivas, ambientes inclusivos”, afirma.

Atualmente, pouco mais de 10% dos matriculados da Educação Especial – ou seja, pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação – estão em escolas especiais exclusivas, apartadas do convívio com crianças sem deficiência.

Ainda assim, apesar de toda luta histórica em prol da inclusão, Mendes reconhece que, para a população geral, por vezes, é contraintuitivo se posicionar de forma contrária a esse tipo de instituição, em que os alunos estudam apenas com outras crianças com deficiência. De qualquer modo, na prática, ele pontua que a escola especial acaba se tornando inconstitucional por vários motivos.

“O discurso de que a escola especial é preparada, protegida, mais bem equipada, na verdade, não é bem assim”, diz. Na maioria das escolas do tipo que visitou, o especialista diz ser raro seguir a Base Nacional Comum Curricular [documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais], por haver um ‘pressuposto de que essas crianças não vão conseguir se relacionar com todos os conteúdos’.

Escola inclusiva ideal
Rodrigo Mendes não considera a maioria das escolas que temos hoje como inclusivas. Isso porque, para ele, não basta abrir as portas para alunos com deficiência, é preciso que a instituição se reorganize e repense suas estratégias para acolher aquele estudante.

O que a escola inclusiva ideal precisa?

• Oferecer formação continuada para os profissionais da instituição, com atenção mais ampla aos docentes e coordenadores pedagógicos;
• Investimento de tempo para planejamento das aulas;
• Oferta de serviços de apoio, em que as crianças com deficiência tenham acesso aos professores de Atendimento Educacional Especializado e profissionais de apoio.
Tais pontos trazidos por Mendes já estão, inclusive, previstos na legislação. Porém, a realidade brasileira se apresenta de uma maneira muito “heterogênea”, segundo o empreendedor social. O que se vê são escolas que ainda estão em processo de transformação para a educação inclusiva, outras que já trabalham nessa perspectiva e, por fim, aquelas que ainda atuam de maneira segregatória, com classes especiais.

O criador do Instituto Rodrigo Mendes define que a sua missão enquanto educador e pessoa com deficiência é de “garantir que toda pessoa com deficiência tenha acesso a uma educação de qualidade”. Para disseminar informações sobre o tema, o IRM lançou a plataforma Diversa, que expõe experiências, pesquisas, estudos de casos, artigos e outros materiais para auxiliar redes de ensino que almejam abraçar a educação inclusiva. fonte terra